
Decisão do BC em manter juros em 15% expõe brasileiros a endividamentos e não combate inflação
Além de favorecer a concentração de renda e não ser eficiente para controle da inflação, juros elevados penalizam a população brasileira
Ao anunciar a manutenção da taxa básica de juros do Brasil (Selic) em 15% ao ano, no início da noite desta quarta-feira (30), o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, não causou surpresa alguma. O índice já era previsto por todos os analistas e jornais de economia, em conformidade com as projeções das instituições financeiras, e não com as necessidades da população e do setor produtivo do país.
"O Banco Central diz que tem que manter a taxa de juros alta para controlar a inflação. Mas a Selic não é o único instrumento de controle de preços e nem funciona para os tipos de inflação que o Brasil enfrenta. O que a Selic elevada faz é manter o Brasil na liderança do ranking com os maiores juros do mundo, penalizando a população, que paga mais caro pelo que compra, pelo crédito que pega nos bancos, e fica com menos dinheiro para gastar e movimentar as empresas", explicou a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira.
Uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), divulgada neste mês de julho, mostrou que o endividamento das famílias subiu para 78,2%. "O alto nível de endividamento da população brasileira está atrelado aos juros altos. Porque, em nenhum país do mundo, temos taxas tão abusivas e que comprometem a renda do trabalhador, como no Brasil, com coisas básicas, como financiamento de uma casa para morar ou de um carro, só para citar alguns exemplos", observou o secretário de Assuntos Socioeconômicos da Contraf-CUT, Walcir Previtale.
Ele destacou que o movimento sindical bancário defende que um dos caminhos para controlar a inflação é aumentar a produção com juros menores. "Estimular o consumo das famílias e o setor produtivo, incentivando a produção, pode colaborar para o controle da inflação, se estiver atrelado à garantia de oferta de produtos com ganho de escala (redução do custo de produção à medida que a quantidade produzida aumenta), e isso é possível com oferta de crédito a juros justos, menores", completou.
Os dirigentes do movimento sindical completam que o Brasil já fez essa experiência, de aumentar o consumo das famílias e incentivo ao setor produtivo, com Selic adequada, garantia do crescimento econômico e sem que houvesse o descontrole da inflação. "Isso aconteceu nos primeiros anos do governo do PT, quando o país, inclusive, registrou níveis de pleno emprego", ressaltou Juvandia Moreira, que também é vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT). "Assim combatemos a narrativa do Banco Central de que os juros básicos elevados são bons instrumentos para combater a inflação. Muito pelo contrário!", pontuou.
E a inflação?
Perguntamos ao economista e professor titular de pós-graduação da PUC-SP, Ladislau Dowbor, se estaria de acordo com outra discussão nos noticiários, de que o BC teria dificuldades de reduzir a Selic dos atuais 15%, diante das incertezas do tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos aos produtos brasileiros. E sua resposta foi que "não".
"Não há dúvidas de que é, sim, possível reduzir a Selic. A inflação no Brasil não tem nada a ver com a taxa Selic, porque não é uma inflação de demanda (de uma economia super aquecida). A inflação de hoje é por elevação dos preços dos oligopólios, ‘;profit inflation’; (inflação gerada por elevação de lucros)", explicou. "Ou seja, a taxa Selic nas alturas está gerando lucros para os mais ricos, que compram títulos da dívida pública e enriquecem 15% ao ano, sem precisar produzir. Vale destacar que grande parte do Congresso tem dinheiro aplicado, e por isso apoiam essa política do Banco Central. No Japão, por exemplo, a taxa básica de juros subiu de 0,25% para 0,5% - essa é a ordem de grandeza. Aqui, no Brasil, a Selic em 15% não é política monetária, é uma apropriação indébita de recursos públicos, dos nossos impostos. Reduzir a taxa Selic vai redirecionar o dinheiro para investimentos produtivos, que é o que precisamos", concluiu.
Ainda sobre o impacto da Selic na inflação, o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Cavarzan, lembrou que os níveis de inflação registrados desde 2023 (já no terceiro mandato Lula) são os menores dos últimos 20 anos.
"Considerando a taxa de inflação atual, que é uma das menores dos últimos anos, não há justifica para a manutenção da Selic altíssima", observou. "Mas, não podemos descartar a importância da inflação e seus impactos no dia a dia da vida do trabalhador. Tivemos um histórico recente de altas nos alimentos, principalmente no governo Bolsonaro. E, após esses aumentos, quando a inflação deixa de acontecer, os preços não costumam voltar atrás, e a população sente isso no bolso", arrematou.
Cavarzan completou que o atual Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de cerca de 5%, não está fora do padrão brasileiro. "Talvez, a grande questão é que a meta de inflação do país, que é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), foi por muito tempo de 4,5%, com intervalo de tolerância de 2%. Logo, na prática, podia chegar até 6,5%, sem que fosse desconsiderado meta descumprida. A partir dos anos 2018 e 2019, essa meta foi caindo: 4,25%, 4%, 3,75%, 3,5%, 3,25%, 3%... Então, agora, temos uma meta de 3%, com intervalo de 1,5%, que é praticamente impossível de cumprir em um país periférico com as características do Brasil, sujeito às interferências da taxa de câmbio, por exemplo", concluiu.